SOBREVIVENDO NA INDEPENDÊNCIA - UMA GAROTA CHAMADA CYNTHIA, PRIMEIROS SHOWS E MUITOS BATERISTAS (ANOS 80)
Foto da primeira formação das Velhas tirada por Márcia Lima (1988) |
Todos sabem que para banda iniciante é muito difícil arrumar shows. A gente passa por uma espécie de estágio que vai nos colocar dentro do mercado ou não. A gente corria pra todo
lado, mandava nossas demos horríveis (que achávamos o máximo na nossa suprema
arrogância). Com isso começamos a tocar em um e outro lugar. Sem ganhar nada e
muitas vezes pagando o que consumia.
Mesmo sem muitas perspectivas o Paulão continuava a compor.
Cartaz de um show no Espaço Mambembe (anos 80) |
Depois de vários lugares, como o quartinho do Rick no apartamento da sua família, a sala da casa da minha família, as Velhas fixaram os ensaios na garagem da casa dos pais do Paulão, na Zona
Norte de São Paulo. O pai do Paulão era taxista e militar aposentado. Ficava
puto da vida com a barulheira. Com razão, trabalhava a madrugada toda dirigindo e não
podia dormir nos sábados com aquelas pestes tocando alto logo às dez da manhã!
Entrava em cena a incrível Dona Arenita (mãe do Paulão) que mandava o Seu José dar
umas voltas e deixar os meninos se divertirem. Se ela não foi nossa primeira
fã, foi a primeira pessoa que nos defendeu. Dona Arenita e Seu José se foram há
algum tempo deixando dolorosas tristezas e saudosas lembranças.
Alguns shows começaram a aparecer e uma música se destacava.
Uma balada chamada “Cynthia”. Assim mesmo com y e th. Uma letra grande, ao
estilo Renato Russo, contando os dissabores de um jovem apaixonado. As nossas músicas
dessa época tinham esse teor poético ou eram políticas. Logo a gente ia
descobrir que outras bandas falavam dessas coisas de um jeito melhor e que era preciso procurar outros temas. A experiência foi fundamental.
Algumas bandas amadurecem e se encontram rapidamente. Não foi nosso caso. Demoramos
muito para isso. De qualquer modo, “Cynthia” foi nosso primeiro grande não-sucesso. E talvez
o único dessa fase e dessa formação.
Cynthia - Gravação dos anos 80 com a primeira formação das Velhas
Cynthia - Gravação dos anos 80 com a primeira formação das Velhas
Com o passar do tempo comecei a me desentender com o Celso
(irmão do Paulão e nosso vocalista). A gente brigava muito e sempre. Eu achava
que ele não podia ser o vocalista, que o Paulão tinha que assumir os vocais. O
Paulão era muito fã do Celso, irmão mais velho e com mais experiência, que ele
via como um ídolo a seguir. Eu não tinha esses laços afetivos, só via um
vocalista que não servia pras Velhas Virgens.
A diferença entre os dois nos vocais ficava clara em shows
que o Celso cantava uma grande parte e tinha uma recepção fria da plateia.
Quando o Paulão assumia era outra vibe. As pessoas realmente gostavam, nossos
blues sujos ganhavam uma outra interpretação que falava diretamente com o
público.
Eu não podia acreditar que o Paulão não via o óbvio. Alguém
precisava assumir os vocais para a banda andar um pouco. Rick (nosso batera) e
Paulão saíam pra beber e levavam o chato aqui a tiracolo (eu não bebia nem
ponche naquela época) e ficávamos horas conversando. Eles falavam que eu era
boa companhia para beber. Meu guaraná ficava barato e eu parecia mais alucinado
que eles. Ficava bêbado por osmose.
Nessas conversas, Paulão, que sempre foi muito bom nas
argumentações, me convencia de que o Celso era o cara, que estava tudo certo e
logo alguma coisa aconteceria. E as coisas foram acontecendo, não exatamente do
jeito que ele previa ou que eu esperava.
A primeira baixa veio de onde menos esperávamos. Rick, nosso baterista diz que vai sair. De todos
nós, acredito que era o que tinha mais juízo e mais noção da realidade. Viu que
aquele lance de música não era pra ele, não estava levando a lugar nenhum e, pior, estava atrapalhando seus estudos.
Rick hoje é um engenheiro muito bem sucedido, com uma carreira, uma família
grande e feliz. Ele soube fazer a leitura correta da sua vida e tomou as
decisões certas. Nos encontramos até hoje e somos amigos. O Rick é um cara dos
mais honestos e batalhadores que conheço. Sempre torceu pra gente dar certo
mesmo não sendo mais da banda e, do nosso lado, também acompanhamos com orgulho
nosso primeiro batera ganhando o mundo com sua carreira.
Isso já era final dos anos 80. Tivemos milhares do outros bateristas nesse tempo. Gente que entrava fazia dois ensaios e saia. Teve um caso especial que merece o registro. Encontramos um batera chamado Mario que quis tocar com a gente. O problema é que el tinha sido atropelado e ainda estava se recuperando de uma perna quebrada. Ele pegou todos as músicas, fez a "fisioterapia" com a gente, ensaiou o show, tirou fotos (está que está aí embaixo), a gente se maquiava de velhos na época. Na véspera do primeiro show o cara saiu da banda nos deixando na mão. Aquilo derrubou a gente. Foi péssimo.Uma das poucas fotos do Rick em shows. Ele ao fundo tocando no Madame Satã. |
Na foto: Mario, Celso e Cavalo em cima e Paulão mostrando a língua. Por Marcia Lima. |
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