SOBREVIVENDO NA INDEPENDÊNCIA - Entre putas, hot-dogs e a morte
Essa era a banda em 1999 quando gravamos "Estar Só" para o disco "Sr Sucesso" |
Tinha um bar
ao lado do posto de gasolina que ficava na esquina da Rua Augusta com a Caio
Prado que a gente chamava, carinhosamente, de “Bar das Putas”. No posto tinha
um dogão onde, Gabriel Bastos e eu, devorávamos os lanches quase toda
madrugada, na vã esperança de recobrar as forças e continuar noite à dentro.
Depois da balada inicial que acabava por volta das duas a gente partia pro
dogão e tomar algumas no “Bar das Putas” e depois cair para os recantos mais
sórdidos da cidade atrás de desventuras, bebidas, sexo fácil e outras drogas
legais e ilegais. Gabriel era meu melhor amigo. Não deixamos de ser amigos, ele
morreu muito cedo.
Nessa época
éramos unha e carne. Ele jornalista e eu músico. Vida boêmia. Diariamente na
noite. Quando se é jovem acha que nada pode acontecer, uma sensação de
imortalidade e ao mesmo tempo de urgência. A gente queria estar em todos os
lugares ao mesmo tempo.
Sentamos pra
tomar umas cervejas naquele boteco, frequentado pela mais alta classe de
prostitutas, travestis, notívagos e outros bichos do que veio a ser nomeado,
tempos depois, de Baixo Augusta.
A gente já
conhecia a pequena Ísis. Óbvio que esse não devia ser o seu nome. Soava bem
para ela. Pequena e desbocada. Moça de sorriso fácil, parecia muito feliz com a
vida, fomos a muitas baladas juntos. Adorava chegar com ela e com suas amigas em
festas bacanas e causar o maior desconforto em todo mundo.
Pagamos
algumas cervejas para a dama e ela contou sua “vida feliz” pra gente pela
primeira vez.
Vou resumir a conversa. A garota fora estuprada
pelo tio ou padrasto, não me recordo ao certo, quando tinha treze anos, lá em
Vitória, no Espírito Santo. Aos quatorze, fugiu de casa e acabou caindo na vida.
De lá, despencou pra São Paulo com um namorado que roubou tudo que ela tinha e a
largou na rua. Se virou, ganhou uma grana, conseguiu se levantar. Agora estava
bem e de passagem marcada para o Espírito Santo, queria ver a mãe, levar uns
presentes para as irmãs e encarar seu passado. Dizia que se sentia forte e
vivida o suficiente pra isso.
Não preciso
dizer que ouvimos a história em seus piores detalhes com o queixo caído e olhos
arregalados. Enchemos a garota de perguntas que ela respondeu despreocupada,
como quem fala do seu time de futebol. Temos a mania estúpida de "glamorizar" as pessoas que vivem da noite. Não é bem assim.
Acabou o
relato dizendo que nós, garotos, aproveitamos a vida, sugamos a laranja e
deixamos o bagaço. Depois era só voltar pra casa. Afinal, a gente tinha uma
casa pra voltar. Fechava a porta e deixava esse mundo filha da puta do lado de
fora. Hoje era ela que estava na nossa mesa. Amanhã seria uma outra mais nova. s homens sempre
procuram as mais novas, dizia.
Levantou-se,
agradeceu a cerveja, disse que tinha um cliente e foi embora toda “rebolosa”
como diria Jorge Amado.
Fiquei com
aquela história na cabeça e compus "Estar Só" no dia seguinte. Uma música
triste que fala sobre prostituição infantil, sobre a solidão que a vida na noite pode nos levar e a gente pode gostar disso, como uma doença. Como uma
frieira gostosa de coçar.
Reencontrei
Ísis no Love Story tempos depois. Ela estava só e eu acompanhado com garotas mais
novas. Como ela disse, eu ficava velho e elas mais novas, Dorian Gray só existe nos livros.
Ela me disse oi, olhou com tristeza para as garotas e foi cuidar da vida. Tudo
aconteceu como ela havia previsto.
Ísis me fez
ter a perfeita e clara visão do babaca que eu era. Da falta de respeito que eu
tratava outras pessoas e o mundo. Da arrogância de quem se acha superior. Um
merda.
Mudei muito
de lá pra cá, espero que pra melhor, mas não tenho certeza. Estou na luta. Perdi
meu amigo Gabriel para uma doença no cérebro. Não encontrei Ísis, não tive mais
chance de falar que ela era inspiração para uma música e uma mudança. E acho que não vou
conseguir fazer outra canção como “Estar Só”.
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