SOBREVIVENDO NA INDEPENDÊNCIA - 1986 - Começo das Velhas Virgens e eu era um babaca arrogante

Cavalo e Paulão em cima, Celso e Rick
Primeira formação das Velhas Virgens

Foi um ano depois do primeiro Rock in Rio.
Nesses meados dos anos 80 muita coisa acontecia. Abertura política, diretas já, morte do Tancredo, bandas de rock pipocando de toda e qualquer garagem pelo país inteiro. O rock tinha assumido o protagonismo entre os ritmos musicais variados no Brasil. Havia muito dinheiro correndo das gravadoras para os meios de comunicação. Uma forma absolutamente institucionalizada de corrupção cultural que já vinha de décadas.

Alexandre Cavalo nos anos 80.
Pouco tempo antes (acredito que 83 e 84), no SESC Pompéia, tinha o Fábrica do Som, era o lugar para ver todos os shows legais. De Itamar Assunção a Premeditando o Breque, de Arrigo à Língua de Trapo. Ultraje, IRA!, Inocentes, Titãs e tantas outras bandas. Acho que me formei em rock nesse tempo.
Ia no cinema ver o The Wall, Rock Horror Show, The Songs Remains the Same, Tommy, numa semana que era dedicada aos musicais. Esse era um jeito de ver os filmes e conhecer as pessoas com os mesmos interesses que eu.
Passava o sábado na porta da Woodstock Discos junto com amigos cabeludos e de roupas rasgadas. A gente juntava grana para comprar discos e fitas K7s. Cada um pegava um disco diferente e depois a gente gravava uns pros outros. Pirataria das boas. Levávamos geral da polícia o tempo todo, não por conta da pirataria, muito mais pelo jeitão selvagem dos garotos.
Eram os tempos antes da internet, se queria informação tinha que caçar em revistas, filmes, amigos, gente que ia viajar e voltava com novidades, discos, pesquisar aqui e ali, ouvir o programa do Kid Vinil e prestar atenção ao redor.
Não estou contato isso com saudosismo. Lógico que eu curtia. Quando você é jovem você curte ser jovem, não importa a época ou lugar. Apenas era assim que acontecia.
Citando Bukowski: "Que tempos penosos foram aqueles anos - ter o desejo e a necessidade de viver, mas não a habilidade."
Sinto saudades de ser garoto, não sinto nenhuma falta daqueles tempos difíceis. Além de tudo, pra piorar, eu ainda era um perfeito babaca, não que hoje em dia não seja. A diferença é que melhorei muito. Sou menos babaca. A vida ensina na marra, meu chapa.
Em 1986 tudo começou.
Fui pra música por acaso. Meu pai comprou um violão para ele aprender e quem acabou se interessando pelo instrumento fui eu. Ninguém na família sequer cantava. Aliás, era um perigo tentar cantar ou dançar perto deles. Se você cantasse era logo esculhambado e, como eu era muito tímido, acabava me isolando no quarto pra tocar. Dançar então, nem se fala, coisa de frutinha. Imagina, final dos anos 70 começo dos anos 80. Discoteca, “Embalos de sábado à noite”, “Grease”, “Flashdance”, “Footloose” e você não podia sair dançando porque era coisa de homossexual. Hoje vejo com clareza que a abertura era necessária não só para a sociedade mas para a “cabecinha” das pessoas.
No fundo eu era um simples nerd que curtia estudar. Música é muito mais empenho e estudo que talento. Eu sou a prova viva disso. Sou um cara sem talento nenhum que consegue tocar precariamente. O conhecimento adquirido e a vivência me tornaram um compositor com boas ideias, que nem sempre consigo executar. Preciso de ajuda para isso. 
Em 1986 eu me achava o máximo. Sinto falta dessa autoestima, não ter o devido conhecimento de suas limitações e não ser tão crítico em relação a si mesmo pode ser empolgante, mas também me transformou num babaca arrogante.
Voltando ao babaca nerd. Nesse caso eu mesmo. Conheci o Paulão numa escola de música chamada Simalha em Santana, zona norte de São Paulo. A gente fazia aulas de teoria juntos. Aulas essas que eu faltava, pois o mestre chegava sábado de manhã, sempre de ressaca e dava provas para evitar dar aulas. Como bom babaca que eu era achava aquilo o maior desrespeito, eu não bebia e não entendia quem saia pra beber em plena sexta à noite. Um verdadeiro idiota! Eu Subia para o segundo andar da escola e ia tocar ou ouvir outros caras tocando.

Primeiro vez de  Paulão e Cavalo.
Eu ainda não tinha completado 18 anos. Me achava dono do mundo. Acreditava que eu poderia fazer qualquer coisa e que essa coisa daria certo. Então montei a banda com o Paulão de brincadeira. Não era para ter durado muito.  A gente era tão ruim que não conseguía fazer os covers direito e eu estava estudando para, quem sabe, ser engenheiro como meus pais queriam. Música era um passatempo divertido para ter amigos e, talvez, arrumar uma namorada.
A gente ensaiava num quartinho na casa do Rick. A bateria era montada no canto, os amplis colocados em cima de qualquer coisa e a gente se apertando para caber todo mundo. Não sei como o pessoal do prédio não nos expulsou e nem como a família do Rick aguentou. Nunca agradecemos devidamente a gentileza deles nessa fase.
Rick e Paulão se conheciam de longa data, amigos inseparáveis até hoje.
Algumas vezes o ensaio era na sala minha casa, porém logo a garagem da casa do Paulão se mostrou o local ideal. Demoramos um pouco para fixar a formação e durante esse período surgiu o nome A Banda das Velhas Virgens. O Paulão estava me dando uma carona pra casa em sua indefectível Brasília preta. Pouco antes de chegar começamos a divagar que a banda precisava de um nome. Falei que tinha pensado em Convenção de Bruxas (reparem que nos anos 80 quase todas as bandas tinham nomes compostos). Ele gostou e me perguntou o que eu achava de “Banda Das Velhas Virgens”. Lembro perfeitamente do que eu senti naquele instante. Comecei a rir sem parar. Consegui me controlar e disse que era o nome perfeito. E essa é nossa primeira foto para a mídia.

Uma mistura de informações e referência que nos remetia aos filmes do Mazzaropi (título do 31º filme do cineasta brasileiro), ao mesmo tempo parecia um bordel estranho da Rua Aurora. Ficar velho sem perder a ingenuidade. Naquela época fazia todo sentido.
Paulão começou a compor algumas músicas próprias e nós ensaiamos, vimos que ali poderia ser um caminho. Tocando nossas próprias músicas elas poderiam soar do jeito que a gente quisesse e ninguém podia falar que estava errado, afinal eram nossas. Só não sabíamos o quão longo e árduo esse caminho seria.
Durante um tempo mantemos o quarteto inicial. Paulão no Baixo, Rick na Bateria, Celso (irmão do Paulão) nos vocais e eu nas guitarras. Uma banda que ia do punk ruim para um blues pior ainda, influenciados pela leva de bandas dos anos 80, inclusive o primeiro disco do, pasmem, Legião Urbana, de 1985. Isso mesmo, esse primeiro disco foi que deu ao Paulão o incentivo que ele precisava para escrever música.
Clique aqui e ouça uma amostra do que éramos naqueles tempos complicados. Essa música é Braços de Seda do Paulão. Gravada por essa formação.


 O ano de 1986 foi só o começo dessa aventura que são as Velhas Virgens. Muita água passou por debaixo da ponte desde então. Vou tentar contar tudo em ordem cronológica através das gravações que fizemos esses anos todos. Essa é a minha visão dos fatos, podem não ter acontecido exatamente assim. Espero que perdoem essa memória um tanto debilitada.

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